O Dispensacionalismo é Ortodoxo?
Ao longo dos anos da minha jornada pelo cristianismo evangélico americano de diversas vertentes, percebi que o dispensacionalismo se tornou algo "natural" igualado a bíblico e ortodoxo, talvez até essencial para um biblicismo e uma ortodoxia robustos,por muitos protestantes conservadores.
Conheço inúmeros pregadores, professores, palestrantes e escritores conservadores, entre evangélicos e fundamentalistas, que são extremamente populares, influenciadores entre os cristãos protestantes conservadores, especialmente os mais velhos (!), que se "especializam" em temas relacionados à hermenêutica bíblica dispensacionalista, especialmente no que diz respeito à escatologia, ao "fim dos tempos" e à "profecia bíblica".
Evitarei mencionar seus nomes aqui, mas se você "conhece" o evangelicalismo e o fundamentalismo conservador americano, provavelmente conhece alguns deles. Seus livros lotam as prateleiras de livrarias cristãs e bibliotecas de igrejas. Eles são extremamente populares no YouTube e nos programas cristãos de televisão.
O que quero dizer é algo assim. Essas pessoas e sua abordagem dispensacionalista à Bíblia e à teologia são para os cristãos americanos conservadores mais velhos, evangélicos e fundamentalistas, o que o “novo calvinismo” tem sido para os cristãos americanos conservadores mais jovens por várias décadas.
Alguns dos livros desses "mestres da Bíblia" vendem milhões e têm milhões de seguidores, especialmente entre homens cristãos americanos mais velhos com uma postura ideológica e teológica particularmente conservadora. Incluem-se em suas mensagens: o sionismo cristão (raramente mencionado com esse rótulo), o arrebatamento pré-tribulacional, o Anticristo identificado (ou pelo menos fortemente insinuado), literatura apocalíptica bíblica interpretada literalmente (mas às vezes de forma imaginativa!), ênfase na "Grande Tribulação", na "marca da besta", na "batalha do Armagedom", etc.
Há muito pouco de novo nessas mensagens, exceto alguns detalhes como "o Anticristo será europeu" ou "o Irã está profetizado na Bíblia" ou "a marca da besta está sendo preparada pelo governo mundial único que está surgindo secretamente".
Quando eu era jovem, um desses "mestres de profecia bíblica" chamava-se Willard Cantelon e eu o ouvi falar várias vezes e li alguns de seus livros, como "O Dia em que o Dólar Morreu". Sua popularidade durou relativamente pouco, até onde sei, mas ele se especializou em previsões pessimistas sobre a vinda da União Europeia e como a moeda dos Estados Unidos seria cancelada e substituída por algo como o que mais tarde viria a ser chamado de "euro". Eu tinha dificuldade para entender o que tudo isso tinha a ver com o cristianismo. Mas fui quase forçado a ouvi-lo e lê-lo por causa de sua popularidade dentro dos "meus círculos cristãos" — naquela época (década de 1970).
O que estou descobrindo é que pouquíssimos cristãos conservadores mais velhos (e algumas mulheres) que são quase obcecados por esses "mestres bíblicos" dispensacionalistas extremamente populares percebem ou sabem alguma coisa sobre o "iceberg" dispensacionalista que se encontra sob a "ponta" que se projeta acima da superfície. Ou sabem sobre ele, mas não percebem que é relativamente novo na história da igreja, tendo sido descoberto ou inventado por homens como John Nelson Darby em meados do século XIX.
Alguns desses populares "mestres da Bíblia" parecem presumir que o dispensacionalismo que lhes foi ensinado em instituições como o Seminário Teológico de Dallas é parte integrante da ortodoxia bíblica, de modo que qualquer um que o rejeite é, na melhor das hipóteses, ignorante e, na pior, "carente de fidelidade bíblica" (a acusação que um teólogo dispensacionalista me lançou quando me pediram para endossar um dos meus livros).
Então, qual é o aspecto mais discutível do dispensacionalismo? Não é o arrebatamento pré-tribulacional, mas a noção de que a igreja gentia é uma espécie de "Plano B" no plano geral de redenção de Deus, tendo Israel sido e continuando sendo o "Plano A". Esta é realmente a principal razão para o "arrebatamento" — a remoção da igreja gentia, dos verdadeiros cristãos, PARA QUE Deus possa redimir Israel, levando-a a aceitar seu messias Jesus — durante a "Grande Tribulação". Então, quando Jesus retornar no final da Grande Tribulação, ele governará e reinará sobre o mundo a partir de Jerusalém, possivelmente até mesmo de um templo restaurado.
Por que a igreja gentia é secundária a Israel no plano de redenção de Deus? Porque as promessas de Deus a Abraão ainda não se cumpriram, e isso em parte porque Israel rejeitou Jesus, que era e é seu verdadeiro Messias. Mas, "no fim dos tempos", Deus retornará para salvar Israel, independentemente da igreja gentia, que será removida no arrebatamento. Alguns dispensacionalistas chegam a crer que Deus tem dois planos de salvação, um para os judeus e outro para os gentios. Ambos se "fundem", por assim dizer, em Jesus Cristo, mas durante a "era dos gentios", os judeus não precisam aceitar Jesus para serem salvos se viverem fiéis à aliança que Deus estabeleceu com eles por meio de Moisés e dos profetas.
Minha preocupação é que muitos cristãos protestantes evangélicos conservadores nos Estados Unidos e talvez em todo o mundo estejam aderindo ao dispensacionalismo sem estarem totalmente informados ou compreenderem plenamente o que ele implica. O que ele implica difere, em certos detalhes, de um "mestre de profecia bíblica" para outro, mas os princípios básicos permanecem os mesmos — especialmente o arrebatamento pré-tribulacionista e a visão não supercessionista da igreja e de Israel [nota do tradutor: o supercessionismo aqui se refere que a Igreja substituiu Israel]. Os dispensacionalistas rejeitam radicalmente qualquer ideia da igreja como "o novo Israel". A igreja gentia é quase uma nota de rodapé ou um detalhe secundário no plano geral de redenção de Deus, que se concentra em Israel, Abraão e seus descendentes.
Recentemente, alguém me perguntou se é possível ser reformado [nota do tradutor: em geral, todo reformado é calvinista] e dispensacionalista. Certamente é — em um híbrido, alguns diriam, uma distorção — da teologia reformada. Um desses dispensacionalistas reformados criativos, ou "mestre bíblico" reformado dispensacionalista, foi Donald Grey Barnhouse, pastor de longa data da Décima Igreja Presbiteriana na Filadélfia. Apesar de ser calvinista, por ser dispensacionalista, ele teve uma enorme influência na faculdade bíblica que frequentei e na qual me formei; esta faculdade bíblica era tudo MENOS calvinista.
Na minha experiência, o dispensacionalismo se tornou tão parte da estrutura do cristianismo protestante conservador, fundamentalista e evangélico nos Estados Unidos que quase nunca é mencionado como tal, como "dispensacionalista". Quando estou entre eles e explico o que é dispensacionalismo e por que não sou dispensacionalista, a reação que frequentemente recebo é a de que posso estar em perigo de negar a Bíblia. O dispensacionalismo é frequentemente considerado "a doutrina da Bíblia", mesmo onde não é conhecido por esse nome.
Tradução: Marlon Marques
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