O Inferno é Parte do Evangelho? (Leia Todo o Texto ou Não o Leia!)

 AGORA, antes que alguém comece uma campanha de desinformação para me difamar (e, por extensão, minha denominação e a instituição onde ensino), deixe-me ser bem claro: EU ACREDITO NO INFERNO.

Ao contrário de muitos (observe que eu disse "muitos") fundamentalistas e neofundamentalistas, nem tudo o que é revelado nas Escrituras ou crido e ensinado pelos cristãos ao longo dos tempos faz parte do evangelho. Estou usando "evangelho" aqui no sentido tradicional da mensagem das boas novas sobre Jesus Cristo e a salvação somente pela graça. Não concordo com aqueles que pensam ou afirmam que "o evangelho" é outra palavra para "o que o cristianismo autêntico ensina". O cristianismo autêntico ensina muitas coisas que não fazem parte do próprio evangelho – como a Trindade.

Emil Brunner argumentou corretamente em sua Dogmática que a Trindade é uma fórmula defensiva e não parte do querigma – o evangelho. Isso não torna a Trindade sem importância; Como doutrina defensiva, é necessário proteger a divindade de Jesus Cristo e a unidade de Deus (monoteísmo) – duas verdades reveladas de ordem superior. Mas a própria Trindade – como doutrina – não é explicitada nem revelada em nenhum lugar das Escrituras; é uma doutrina elaborada pelos primeiros cristãos em conflito com as negações do monoteísmo ou da divindade de Jesus Cristo (ou da distinção entre Jesus Cristo e Deus Pai).

Então, o que é "o evangelho?" Bem, para descobrir novamente, li todos os sermões registrados em Atos – por Pedro, por Estêvão, por Paulo. Nenhum se refere diretamente ao inferno. (Acredito que um menciona o hades, mas não de uma forma que o equipare ao inferno como "geena" ou o lago de fogo.) Se eu acho que os apóstolos não acreditavam no inferno? De jeito nenhum. Tenho certeza de que acreditavam. MAS SE O INFERNO FAZ PARTE DO EVANGELHO, por que eles nunca o mencionam em suas apresentações do evangelho?

Claro, alguém poderia apontar, com razão, que isso está implícito nas declarações dos apóstolos sobre julgamento e exclusão do povo de Deus. Mas isso não é o mesmo que declará-lo explicitamente, que é o que eu entendo que as pessoas que insistem que o inferno é necessário ao evangelho insinuam. Em outras palavras, estou argumentando que um relato completo do evangelho de Jesus Cristo pode ser apresentado sem mencionar o inferno (ou a Trindade).

Mudando de assunto, permitam-me apresentar um experimento mental para ilustrar meu ponto. SUPONHAM (sei que alguns de vocês não vão) que o inferno desapareceu do vocabulário cristão, mas todo o resto permaneceu. O evangelho desapareceria então com o inferno? Dificilmente. O Novo Testamento contém algumas apresentações do evangelho; a maioria não menciona o inferno. Aqui está uma de 1 Timóteo: “Sem dúvida, grande é o mistério da piedade: Ele se manifestou em corpo, foi justificado pelo Espírito, visto pelos anjos, pregado entre as nações, crido no mundo, recebido acima na glória.” (3:16)

Então, quais são as partes necessárias do evangelho (em oposição a um relato completo da doutrina cristã)? Bem, certamente que Jesus Cristo morreu pelos nossos pecados para que possamos ser perdoados por Deus, reconciliados com ele e receber a vida eterna por causa de sua ressurreição e de nossa fé nele. O “evangelho” deve ser breve – algo que possa ser memorizado e escrito em um cartão de 3x5 [formato].

Continuando o experimento mental. Se o inferno desaparecesse da consciência cristã, as boas novas de Jesus Cristo desapareceriam com ele? Como assim? Eu simplesmente não entendo. Imaginem (sei que alguns de vocês se recusarão até mesmo a imaginar isso, enquanto eu imagino que estou pedindo que acreditem, o que não estou) que não sabemos nada sobre o inferno e, portanto, supomos que todas as pessoas vão para o céu. Onde estaria a perda de "boas novas" nisso?

Em outras palavras, o que estou argumentando é que o inferno é revelado nas Escrituras, e é por isso que cremos nele, mas não cremos (ou não deveríamos crer) porque achamos que são boas novas. São notícias muito ruins (exceto no sentido de que Deus nos deixa fazer o que queremos, o que não é uma notícia muito boa neste caso!). São notícias ruins não apenas para aqueles que vão para lá, mas também para Deus, porque significa que Deus perde algo; sua vontade perfeita não é feita (porque ele permite isso em sua vontade antecedente – anterior à queda e ao pecado).

Agora, é claro, se você for um calvinista convicto, discordará. E eu acho que SOMENTE um calvinista convicto pode acreditar e dizer que o inferno é realmente uma boa notícia. O que eles querem dizer? Querem dizer que o inferno é uma boa notícia porque é necessário para a plena manifestação da glória de Deus – a revelação completa de todos os seus atributos (como argumentou Jonathan Edwards). Mas isso não pode ser realmente uma boa notícia porque torna Deus um monstro moral.

O inferno não pode fazer parte do evangelho SE o evangelho for uma boa notícia incondicional. E a única maneira de o inferno ser compatível com o evangelho como boa notícia incondicional é crer que ele é "o refúgio doloroso" que Deus provê para aqueles que se recusam a estar em sua presença, adorando-o eternamente (C. S. Lewis). Mas o inferno NÃO precisa ser pregado para que o sermão contenha as boas novas de que Cristo morreu pelos pecadores para capacitá-los a TODOS (eu disse "capacitar", não "assegurar") a serem salvos.

Então, por que crer e ensinar a realidade do inferno se isso não faz parte do evangelho? Bem, pela mesma razão que cremos e ensinamos a Trindade – ela é parte da revelação ou (como no caso da Trindade) uma implicação necessária do que é revelado. Mas há muitas coisas reveladas nas Escrituras que NÃO são "o evangelho" – a menos que você afirme que tudo o que é revelado faz parte do "evangelho", o que significaria que os sermões dos apóstolos em Atos eram apresentações incompletas do evangelho.

Uma das marcas registradas do fundamentalismo (e do neofundamentalismo entre os evangélicos pós-fundamentalistas) é a tendência de enquadrar toda doutrina cristã na categoria "evangelho". Existe essa tendência de equiparar "o evangelho" a uma teologia sistemática. É por isso que muitos calvinistas (não todos, é claro) consideram os não calvinistas "quase cristãos" – porque acham que negamos algo essencial ao evangelho. Isso me lembra dos antigos fundamentalistas, como William Bell Riley (fundador da World Christian Fundamentals Association [Associação Mundial dos Fundamentos Cristãos] em 1919), que afirmavam que o pré-milenismo é uma parte essencial do evangelho! Eu acredito no pré-milenismo, mas nunca, jamais afirmaria que ele faz parte do evangelho só porque acredito que é uma verdade revelada (ou pelo menos logicamente implícita no que é revelado).

Então, um universalista que nega a realidade do inferno (ou sua eternidade) ainda pode crer e promover o evangelho? Tenho certeza de que essa é uma pergunta que alguns estão se fazendo ao ler isto. Eu acredito (e tentarei provar isso aqui em algum momento no futuro) que Karl Barth era um universalista. Qualquer um que alegasse, POR QUALQUER OUTRO MOTIVO, que Barth deixou o evangelho de fora de sua teologia seria, na minha opinião, ignorante ou tolo. Barth foi um poderoso promotor das boas novas de Jesus Cristo. Então, sim, eu acredito que um universalista pode, mesmo assim, crer e promover o evangelho. O que eu NÃO acho é que um universalista possa fazer justiça a tudo o que é revelado.

O inferno não faz parte das boas novas; é a sua sombra. Minha sombra está sempre lá quando estou sentado ou em pé na luz. Mas minha sombra não sou eu. Qualquer um que tratasse minha sombra como parte de mim seria ridículo. Eu diria "Afastem-se de mim!" (se eu achasse que eles estavam falando sério). O mesmo acontece com o inferno. É a sombra do evangelho, mas não parte do evangelho em si.

Agora observe. Algum fundamentalista ou neofundamentalista tirará algo que eu disse aqui do contexto e espalhará por aí para afirmar que Roger Olson nega o inferno ou a importância do inferno. Eles farão isso NÃO PORQUE realmente acreditam nisso, mas porque querem prejudicar a minha reputação e a da instituição onde ensino. Esse tipo de coisa (por exemplo, afirmar que sou um teísta aberto porque defendo teístas abertos como não hereges) acontece o tempo todo e eu considero isso uma forma de mentira. Seu único propósito é político — promover seu próprio poder organizacional às custas do de outrem. Deixei bem claro aqui que acredito no inferno e em nenhum momento disse que ele não é importante. (Se eu estivesse na luz e não visse minha sombra, ficaria muito preocupado! Minha sombra é evidência da minha própria realidade substancial, mas não é parte de mim. Há uma diferença.) Deixe-me dizer desde já que aqueles que sem dúvida alegarão aqui ou em qualquer outro lugar que eu nego o inferno ou rebaixo sua importância são fracos de espírito ou mesquinhos. Eles devem ser ignorados.


Tradução: Marlon Marques


Link do artigo original em inglês

Comentários

Postagens mais visitadas deste blog

A Igreja do Novo Testamento (“Ekklesia”) Existe (Pode Existir) Hoje? - Roger Olson

Respondendo a uma Pergunta: Pode Haver uma Igreja sem Doutrinas?

O Dispensacionalismo é Ortodoxo?