Memórias de Stanley J. Grenz com Especial Atenção às Críticas à Sua Teologia (E Alguns Fatos até então Não Revelados)
Meu amigo e coautor Stan Grenz faleceu há quase dez anos. Ele tinha apenas cinquenta e cinco anos e estava no auge de sua carreira como professor e teólogo cristão. Publicou mais de vinte e cinco livros e dezenas de artigos. Estava trabalhando em uma teologia em vários volumes, cujo título abrangente era The Matrix of Christian Theology [A Matriz da Teologia Cristã].
Durante a última década de sua vida, Stan tornou-se alvo de muita controvérsia, incluindo insultos e difamações injustas por parte do que eu chamo de teólogos evangélicos neofundamentalistas. Parte disso foi público, mas grande parte foi privada. Um dos meus colegas relatou ter ouvido uma conversa sobre Stan em um encontro anual da Evangelical Theological Society. Eram dois teólogos batistas conhecidos por serem calvinistas conservadores e extremamente críticos de tudo o que é "pós-moderno" (algo que provavelmente não compreendem em um nível profundo). Meu colega os ouviu dizer que, na opinião deles, Stan era um lobo em pele de cordeiro entre os evangélicos, um herege muito perigoso.
Stan foi publicamente acusado, em um artigo impresso, pelo presidente de um seminário batista de “relativismo cultural”. Outro estudioso evangélico conservador publicou um livro no qual repreendeu Stan (como ele mesmo disse) por supostamente ter uma visão distorcida das Escrituras — dificilmente digna do termo “evangélico”.
E, no entanto, apesar de tudo isso, Stan permaneceu membro da Sociedade Teológica Evangélica e, até onde sei, não houve nenhuma tentativa séria de excluí-lo (como aconteceu com dois outros amigos meus — John Sanders e Clark Pinnock).
Passei muito tempo com Stan. Dividimos o quarto nas reuniões anuais da American Academy of Religion/Society of Biblical Literature (AAR/SBL) [Academia Americana de Religião/Sociedade de Literatura Bíblica] todos os anos, por cerca de vinte anos. Nós nos víamos sempre que possível entre as reuniões anuais e conversávamos por telefone aproximadamente uma vez por mês. Também trocávamos e-mails com frequência. Escrevemos dois livros juntos e colaboramos em vários projetos, como “The Word Made Fresh.” [“A Palavra se Fez Nova”].
Sei com certeza que as acusações feitas contra Stan por outros evangélicos o magoaram profundamente. Ele fez muitas tentativas de dialogar com seus críticos. Era um homem comprometido com uma abordagem pacífica e inclusiva da teologia evangélica e, para ele, isso incluía os neofundamentalistas. Alguns deles eram seus amigos próximos. Mas, cada vez mais, eles lhe viraram as costas sob pressão dos líderes de sua vertente do evangelicalismo.
Lembro-me bem de vários incidentes que magoaram particularmente Stan. Ele escreveu um artigo sobre a teologia de seu orientador no doutorado, Wolfhart Pannenberg, em homenagem ao seu sexagésimo aniversário, e o artigo foi publicado por uma importante revista evangélica. Depois disso, ele não conseguiu mais publicar na mesma revista. Eventualmente, a razão veio de um editor da publicação: ele havia omitido o fato de que Pannenberg não acreditava no nascimento virginal e, portanto, não era confiável para escrever para a revista. Não foram tanto os editores internos que tomaram essa decisão; foram dois membros extremamente conservadores do conselho editorial externo que pressionaram os editores da revista a excluírem Stan da publicação.
Duas acusações pairavam sobre Stan como vespas: a de que ele estava adotando uma "abordagem schleiermachiana" à metodologia teológica (ou seja, elevando a experiência a uma norma normativa) e a de que ele estava se tornando "pós-moderno", minando assim a teologia como uma questão de verdade. Tive muitas conversas com Stan sobre essas acusações e ele estava extremamente frustrado (assim como eu) com elas. Ele acreditava (e eu concordo) que ambas as acusações não passavam de calúnias maldosas. Seus acusadores claramente não o haviam interpretado com uma perspectiva que se aproximasse da hermenêutica da caridade.
Já expliquei aqui, em uma postagem recente, por que a acusação de seguir um método schleiermachiano era totalmente infundada. Stan jamais elevou a experiência ao status de norma normatizadora da teologia (como fez Schleiermacher). Creio que Stan concordaria com minha análise do papel da experiência na teologia (conforme explicado naquela postagem recente do blog).
O pós-modernismo de Stan não era relativista; por "pós-moderno", ele claramente queria dizer "pós-fundacionalista". E creio que seus críticos sabiam disso. Existem diversas vertentes do "pós-modernismo"; nem todo pós-modernismo é desconstrucionista ou relativista (e mesmo essas duas vertentes não são a mesma coisa!). A inspiração de Stan para o pós-modernismo em sua teologia foi, na verdade, o realismo crítico; ele acreditava na verdade absoluta, mas não acreditava que qualquer mente humana pudesse compreendê-la de forma perfeita ou completa. Ele era um perspectivista e se baseava nas filosofias de pensadores pós-modernos moderados.
Acredito que muitos dos críticos conservadores evangélicos e neofundamentalistas de Stan elevaram o fundacionalismo ao status de única epistemologia evangélica aceitável. Muitos deles também o acusaram de negar a "teoria da correspondência da verdade", que, obviamente, está sujeita a diversas interpretações. Stan acreditava, como eu, que "verdade" é aquilo que Deus sabe. Mas nenhum sistema humano de proposições corresponde perfeitamente à mente de Deus. Somos incapazes de "pensar os pensamentos de Deus como Ele pensou". De Pannenberg, ele adotou uma "teoria da coerência da verdade" para os sistemas humanos de conhecimento. (Pannenberg se baseou fortemente no filósofo Nicolas Rescher para isso.)
Acredito que a maioria, talvez todas, as críticas evangélicas aos impulsos básicos de Stan na teologia eram superficiais e equivocadas; algumas delas tinham raízes em antipatia pessoal.
Observei Stan transitar em sua orientação teológica — de um fascínio pela teologia de Pannenberg (ele obteve seu doutorado em teologia sob a orientação de Pannenberg em Munique e escreveu um dos melhores livros sobre a teologia de Pannenberg, intitulado Reason for Hope [Razão para a Esperança] [Oxford University Press]) em direção ao pietismo. Trabalhei com Stan por anos — para afastá-lo dos impulsos teológicos de Pannenberg e levá-lo a redescobrir suas próprias raízes pietistas. À medida que ele se inclinava mais para o pós-modernismo moderado, mostrei-lhe as afinidades entre este e o pietismo. Considero-me responsável por ajudar Stan a se aproximar mais do pietismo em seus últimos anos. Quando ele faleceu, estávamos conversando sobre uma possível colaboração em um livro sobre pós-modernismo e pietismo.
Muitas das acusações dos críticos de Stan seriam tão verdadeiras para o pietismo em geral quanto para a teologia posterior de Stan, se é que havia alguma verdade nelas [nas acusações]. Não estou argumentando que Stan era perfeito; discordávamos em muitas coisas, incluindo o chamado "estado intermediário". Até sua morte, ele negou qualquer separação entre alma e corpo. Eu disse em seu funeral que essa é uma discussão com Stan que posso afirmar com alguma confiança que venci. Estou confiante de que ele está agora no Paraíso com Jesus, aguardando a ressurreição corporal. Mas a maioria, senão todas, das críticas evangélicas conservadoras e neofundamentalistas a Stan e sua teologia estavam completamente equivocadas. Sei por experiência própria que ele não era um relativista cultural, um pós-modernista radical ou um "schleiermachiano". Ele sempre enfatizou que as Escrituras são a única fonte humana, divinamente inspirada, suprema e norma da teologia cristã, sendo a tradição e a cultura ferramentas de interpretação. A única autoridade sobre as Escrituras, argumentava ele, é o Espírito Santo que fala por meio das Escrituras, mas ele nunca endossou experiências extrabíblicas ou “revelações” como normativas para a teologia, em pé de igualdade com as próprias Escrituras.
Por fim, sei que as críticas injustas à teologia de Stan se tornaram tão duras, disseminadas e profundamente enraizadas que ele praticamente desistiu de tentar fazer teologia especificamente evangélica e, em "The Matrix of Christian Theology", seu trabalho estava se voltando para o protestantismo tradicional.* Sem deixar de ser evangélico, ele queria se tornar um teólogo dentro do protestantismo tradicional. Foi por isso que ele escolheu a Westminster John Knox como sua principal editora. Ele me contou isso em conversas diretas, cara a cara. Fiquei triste, mas entendi. Ele sentia que os poderosos evangélicos o haviam rotulado como muito controverso — não por suas visões teológicas em si, mas pela torrente, pela avalanche de críticas duras dirigidas a ele por supostos porta-vozes evangélicos influentes na academia evangélica. Ele estava desistindo de tentar trabalhar principalmente dentro da academia evangélica e se voltando para o protestantismo tradicional, que ele percebia como estando gradualmente retornando às suas raízes evangélicas — ou pelo menos se mostrando aberto ao trabalho produzido por estudiosos evangélicos sérios. Em certa época, ele almejava se tornar o teólogo evangélico mais conhecido, lido e influente. (Sim, Stan era ambicioso.) Mas, por cerca de cinco anos antes de falecer, ele foi abandonando essa esperança (embora muitos de nós acreditássemos que ele havia alcançado seu objetivo!), acreditando ter realizado tudo o que podia dentro da comunidade evangélica e se inserindo na corrente tradicional da teologia protestante sem, de forma alguma, comprometer suas convicções evangélicas fundamentais.
* Protestante tradicional é a tradução que foi optada por mainline Protestantism. Este termo, na língua inglesa, refere-se aos protestantes que são mais sacramentalistas e/ou que não enfatizam a característica evangélica (do movimento evangélico pietista/avivalista) do novo nascimento como experiência pontual e inicial da fé cristã. Geralmente, mas não totalmente, são liberais na sua teologia. (Nota do Tradutor)
Tradução: Marlon Marques
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